Reposição de Testosterona
Apesar do aumento substancial nas prescrições de testosterona nos últimos anos, muitos homens com deficiência deste hormônio permanecem sem tratamento.
Isso se deve, em parte, à relutância dos médicos em oferecer testosterona, especialmente aos pacientes idosos, devido aos riscos potenciais associados a essa terapia.
As preocupações concentram-se nos riscos cardiovasculares e de desenvolvimento ou de progressão do câncer de próstata, apesar das evidências científicas crescentes não darem suporte a essas questões.
Risco cardiovascular x terapia com testosterona
Uma forte correlação entre deficiência de testosterona e mortalidade cardiovascular tem sido descrita em metanálises e estudos científicos retrospectivos.
Níveis reduzidos de testosterona representam um fator de risco cardiovascular.
Homens com deficiência de testosterona têm um risco maior de infarto agudo do miocárdio, de acidente vascular cerebral, de morte por causa cardiológica, bem como risco aumentado de mortalidade global.
Até o presente momento (2022), não se dispõe de uma conclusão definitiva do risco x benefício cardiovascular associado à terapia de reposição de testosterona.
A maioria dos estudos científicos já realizados associa a terapia de reposição com testosterona a um risco menor ou neutro de eventos cardiovasculares, mas há estudos que mostraram um risco maior de eventos desta natureza. Algumas destas pesquisas foram bastante questionadas por falha metodológica, de forma que os resultados não foram confirmados em estudos posteriores.
Como exemplo, no estudo publicado por Vigen et al.(Vigen R, O'Donnell CI, Baron AE et al: Association of testosterone therapy with mortality, myocardial infarction, and stroke in men with low testosterone levels. JAMA 2013; 310: 1829) foram apontadas várias deficiências metodológicas, que foram motivo de solicitação de reconsideração à revista JAMA por 29 sociedades médicas e por cerca de 160 pesquisadores de 32 países. Entretanto, não há evidência científica de alto nível para que se recomende a terapia com testosterona com o objetivo específico de benefício cardiovascular em homens hipogonádicos.
Abaixo estão apresentados os pontos-chaves relacionados aos riscos cardiovasculares da terapia com testosterona:
- A deficiência de testosterona é fator de risco para doença cardiovascular.
- Antes de iniciar a terapia com testosterona, é fundamental dosar os níveis de hemoglobina/hematócrito e informar os riscos de policitemia que podem ocorrer com o tratamento.
- Intervenções no estilo de vida (dieta e exercícios) devem representar o tratamento inicial e complementar da deficiência hormonal.
- O risco x benefício cardiovascular da terapia com testosterona permanece inconclusivo.
- Não há evidência científica de maior risco de fenômenos tromboembólicos com a terapia com testosterona, mas se deve evitar a policitemia.
- Homens com histórico de eventos cardiovasculares nos últimos 6 meses não devem receber terapia com testosterona.
Deficiência de testosterona e câncer de próstata são duas condições prevalentes em homens idosos. Portanto, não raro essas duas situações coexistem.
Historicamente, a terapia com testosterona foi associada a um risco maior de câncer de próstata. Um axioma urológico que muitos de nós aprendemos é que o uso da testosterona está contraindicado nos casos de câncer de próstata.
Esse conceito histórico vem desde o estudo da década de 40 de Huggins e Hodges (Huggins C, Hodges CV. Studies on prostatic cancer: I. The effect of castration, of estrogen and of androgen injection on serum phosphatases in metastatic carcinoma of the prostate. 1941. J Urol. 2002 Jul;168(1):9-12) que mostraram que o câncer de próstata é uma doença dependente de andrógenos.
Entretanto, estudos randomizados e observacionais não mostraram impacto negativo da terapia com testosterona no risco de desenvolvimento de câncer de próstata, como também não se associaram ao diagnóstico de tumores mais agressivos. Isso se deve ao fato de que durante a terapia com testosterona as concentrações intraprostáticas de testosterona e dihidrotestosterona não sofrem mudanças significativas. Isso obedece à teoria da saturação, segundo a qual a próstata tem uma capacidade limitada de resposta ao estímulo androgênico, devido à saturação dos receptores de androgênio.
Na prática, são 3 situações que se apresentam na rotina de consultório:
- A terapia com testosterona aumenta o risco de câncer de próstata?
- Pode-se prescrever terapia com testosterona aos homens tratados para câncer de próstata?
- Em relação à vigilância ativa, uma opção cada vez mais frequente para os casos de câncer de próstata de baixo risco, há segurança para a terapia com testosterona?
Para a situação 2, há limitações de estudos disponíveis nesta área, sobretudo em relação à ausência de seguimento adequado.
As séries de pacientes tratados de câncer de próstata com intenção curativa e que receberam testosterona não demonstram risco aumentado de recorrência bioquímica do câncer. Recomenda-se um mínimo de 1 ano após o tratamento do câncer de próstata de baixo risco, bem como ausência de recorrência bioquímica para que o homem seja candidato à terapia com testosterona. Todos os homens tratados com intenção curativa e com anatomopatológico favorável (i.e., margens livres, ausência de acometimento linfonodal ou de vesículas seminais) são candidatos a terapia com testosterona após uma estratificação de risco. Os pacientes devem ser orientados de que a evidência científica ainda é inadequada para quantificar o risco x benefício da terapia com testosterona neste cenário.
Em se tratando da situação 3, os dados sobre terapia com testosterona em homens com câncer de próstata em vigilância ativa são ainda mais limitados. As séries são pequenas e o tempo de seguimento ainda inadequado para uma conclusão definitiva. Não há dados de estudos randomizados de longo prazo placebo controlados que atestem a segurança do uso da testosterona nesta população.
A terapia com testosterona está contraindicada em homens com câncer de próstata localmente avançado ou metastático.